segunda-feira, 16 de julho de 2012

Você tem medo de amar?

"Você tem medo de amar?", ela perguntou, curiosa. Não conhecia muito do amor, mas pela forma como falavam, havia algo de peculiar naquilo.

"Não, eu não tenho medo de amar." Mentira. Mas ela não admitiria que o que parecia tão banal lhe causasse receio.

"Sério? Você tem certeza?" Parecia inacreditável que alguém falasse do amor com tamanha tranquilidade. Não seria, então, o "bicho" sobre o qual todos falavam?

"Qualquer momento em que vier, eu não me importo." A verdade é que o evitava a cada instante de sua vida, como se cada dia sem ele, fosse uma vitória.

"Se você tiver medo, está tudo bem, eu estou aqui. Quem não teria?" Ela insistiu. Talvez a amiga só estivesse envergonhada.

"Por que motivo eu deveria sentir medo de amar?" Parecia um bom contra-argumento. Ela não teria como rebater e pararia de insistir no questionamento.

"Oh, eu não sei. Algumas pessoas sentem." Apelara para o senso comum.

"Não há motivo para isso. Você tem que amar, mais cedo ou mais tarde." Na verdade, ela esperava que não. E naquele momento, deixou transparecer o medo que, sim, sentia, do inevitável.

"É verdade. Acho que é assim que deve ser. Mas... se você estiver com medo..." Pobre amiga. Ela tinha medo. Mas tinha que saber que ali havia um ombro para ampará-la.

"Eu nunca disse que tinha medo de amar!" Falou pausadamente, de forma a tentar colocar um ponto final naquela discussão inútil.

"Ralaxe!"

"Eu estou relaxada!" Não estava. A simples ideia de poder ser vítima do amor a qualquer momento lhe arrepiava os cabelos da nuca.

"Só estou falando, ok? Não há motivo para isso." Talvez devesse ser melhor parar mesmo com a discussão.

"Eu te disse, eu estou calma. Não tente alterar minhas palavras." Agora atribuía à amiga a culpa da sua angústia, embora tivesse certeza de que ela não tinha nada a ver com aquilo.

"Eu não estou fazendo isso." Defendeu-se.

"Não está? Sim, você está!" Acusou. Só assim, na ofensiva, sentia-se protegida.

"Escute, eu peço desculpas.  Eu não deveria ter dito nada. Peço desculpas pela minha falta de sensibilidade." Não adiantava. Ela nunca admitiria que tinha medo de amar. Ela nunca admitiria que um dia podia, sem sequer se dar conta, acordar pensando em um nome, em um sorriso, em um rosto. E ela não precisaria conhecê-lo, não precisaria de uma razão. A razão é contestável. O sentimento passional é inevitável. E por isso, era o mais sincero. Escutara certa vez: "As coisas do coração não servem para ser explicadas pelas coisas da mente." Quem quer que tivesse falado, achava que tinha razão. Escutara também, em outra ocasião: "Se você consegue explicar, não é amor." Talvez a ideia do inexplicável, do incontrolável, fosse o que assustasse tanto a amiga. Não entendia muito bem. Nunca amara. Mas achava que o amor servia para nos provar sermos humanos. E admitirmos que nem mesmo toda a sabedoria e maturidade do mundo detêm o controle de algumas coisas na vida. Talvez o amor fosse mesmo um bicho... do tipo que provoca medo.

(diálogo inspirado no curta-metragem The Scream, de Sebastian Cosor)

sábado, 14 de julho de 2012

A Estranha

Sentira todos os sentimentos do mundo por ela e sequer a conhecia. Quando ouvira o nome, sentira ódio, raiva, ciúme. Quando a viu, sentira a mais cruel das invejas e a mais pura das admirações. Era tão perfeita que se tornava intrigante.

Sentia curiosidade, sentia ansiedade, sentia o coração escalar o peito em direção à boca. E quando trocaram palavras, sentiu reciprocidade. E sentiu vontade de cuidá-la, guardá-la, amá-la.

Cada pedaço dela lhe fazia admirar. E o instigava a querer conhecer todo o resto, minimamente, como se daquilo dependesse sua completa existência. O sorriso seria capaz de dilatar as pupilas do sol. Os olhos poderiam hipnotizar a mais centrada das criaturas. A doçura substituiria facilmente o néctar da mais fina flor.

Sentiu também que aquilo só acontecia na sua cabeça. E perguntou-se se era verdadeiro. Então, conformado, aceitou o fato de que sim, tanto acontecia apenas na sua cabeça quanto dali não poderia sair. Mas nem por isso seria menos real.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Lobo

(Não detenho os direitos autorais da imagem)

Era lobisomem. Mas convivia com a angústia de não poder ser lobo, apenas homem. Cansado de ser sempre aquele de onde são esperados os mais bondosos feitos, decidiu que faria tudo ao contrário, apenas uma única vez.

Por toda uma noite, enquanto pôde ver a Lua no céu, permitiu-se ser lobo. Rasgou roupas. As suas e a de outros. Rasgou corpos. O seu e, principalmente, os de outros. Permitiu também ser rasgado. E ao sangrar, libertou-se.

Percebeu que, num impulso de agressividade, rasgara também a alma. O vazio animal transformara-se em um vazio existencial. E se deu conta de que não poderia mais ser homem.
Apenas lobo.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

A Fera e a Bela

(Não detenho o  direito autoral da imagem)

Acostumada a ser Fera, habituou-se com os próprios espinhos. Avisava de antemão o que deveriam esperar as pessoas que dominava. Como monstro, magoava, espetava, estraçalhava. Não por querer, mas achou que aquela personalidade era tudo o que tinha dentro de si. 

Achou, contudo, fera mais feroz, que fez de si, Bela. Contente por, finalmente, ter-se livrado da maldição, das carrancas e espinhos, concentrou-se em cuidar, preocupar-se, e amar, como ela imaginava que uma Bela faria. Havia um problema, porém. Fragilizada, não tinha qualquer defesa contra os ataques da fera por quem  se apaixonara. 

Sentia os espinhos lhe furarem a pele, as garras lhe arranhavam os membros, a força lhe quebrar os ossos, e o descaso murchar suas pétalas.

Decidiu, portanto, não mais ser Bela. Emudecida em seu próprio sofrimento, sentiu-se fortalecer, os membros crescerem e as garras ressurgirem. Os olhos, que outrora foram claros e puros, tornavam-se negros como a ausência de esperança. O corpo maculado agora era uma carcaça, tão rígida quanto o mármore, de onde tiraria as pedras que tornaria a jogar em quem quer que aproximasse. Os espinhos cobriam agora o seu corpo e o seu coração. 

Era novamente Fera. Até que, vítima de outra metamorfose, tornasse a ser Bela.

terça-feira, 3 de julho de 2012

À noite, com amor.

(Foto retirada do Google Images. Não detenho os direitos autorais)

Era uma noite. Mais uma.
Mais uma em que ela estava sozinha. Sentia-se vazia
Na verdade, sentia-se preenchida por um sentimento de solidão. E sabia que ele não passaria. Não naquele momento.
Olhou pela janela, em busca da Lua. Não a encontrou. Estava escondida e Alice não estava com paciência para aquele pique-esconde. Voltou à cama e deitou-se.
Respirou. Tentou relaxar.
Fechou os olhos e aos poucos sentiu os músculos descontraírem, a respiração pausar e logo em seguida assumir um ritmo agradável, como parte integrante da orquestra que compunha todos os barulhos daquela noite.
Aos poucos, o corpo também entrava em sintonia com a noite. E ela agradeceu por aquela sensação.
A mente, entretanto, persistia em ocupar-se com a angústia. A ausência do ser
Tinha raiva de não poder controlar o que sentia, o que pensava. Não era justo. Era o seu corpo, ela ia provar que, sim, era capaz de dominá-lo. De domá-lo.
Num gesto de fúria, arrancou as roupas, as íntimas, inclusive. Nua, ofereceu-se à noite.
Entreabriu as pernas e levou os dedos, ágeis e enfurecidos, até o meio delas.
Apalpou, tocou, explorou, penetrou, brincou e subjugou suas próprias sensações. Mostrou-lhes quem mandava em quem. E quando provou a si mesma ser vitoriosa, permitiu-se receber um prêmio.
Dedicou à noite, sua fiel amante, o prazer com o qual se presenteara.
E, embora o corpo parecesse mais leve, sentia-se mais viva. E adormeceu, antes que o efeito ilusório do orgasmo passasse e ela voltasse a submergir em sua própria utopia.

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