terça-feira, 31 de janeiro de 2012

"Só se sorrir!"

Fora encarregada de tirar fotos. Mas não gostava de tirar fotos de objetos. Estáticos, não havia desafios. Dessa forma, seu trabalho tornava-se mecânico e ela não gostava de trabalhos mecânicos. Para que estudava, afinal? Revoltava-se internamente. Mas pegava a câmera semi-profissional e ia, sem reclamar. Naquele ambiente, a câmera lhe atribuía um status, e todos sorriam ao vê-la, na esperança de que fossem fotografados. Na verdade, não ao vê-la, mas a câmera. Contudo, já dizia o pesquisador: os meios são extensão do homem. Nesse caso, a máquina fotográfica era sua extensão. Quando a viam, automaticamente buscavam a câmera. Se a câmera não estavam lá, desapontavam-se. 


Mas voltando ao objeto, ela fora fotografar. No caminho, alguém parou o senhor que a acompanhava. "Preciso falar com minha família, minha esposa, minhas filhas. É muito sério, eu preciso falar com elas. Deixe-me telefonar", o senhor implorava. E ao ter a solicitação negada, revoltava-se. Estava claro que o transtorno, motivo pelo qual fora enclausurado, estava avançado. Mas logo ele voltava a insistir. "Mas, senhor, deixe-me falar com elas. Eu preciso falar, me deixe, senhor. Eu quero falar com o Serviço Social! É isso, você não sabe de nada, onde está o Serviço Social?", chorava, revoltava-se e questionava. O homem ignorava o cidadão angustiado com respostas vagas e curtas. Naquela situação talvez fosse o ideal a se fazer. Contudo, mais angustiada ela ficava com aquela situação. Quando passou pelo insistente senhor, ele a olhou e seu foco mudou "A senhora é fotógrafa?", perguntou, esperançoso. "Sim, sou." Não era. Mas preferia não explicar isso novamente. Então consentira logo de uma vez com o título que lhe davam. "Então tira uma foto minha?", subitamente, os olhos brilhavam com a possibilidade. Ela virou para ele. "Tiro, mas tem que sorrir. Não vou tirar foto de gente triste." E ele não sorriu. Gargalhou. Fez pose e alegrou-se. Ela tirou a foto e despediu-se. Ele agradeceu e ficou ali, ainda sorridente enquanto ela se afastava. Talvez, em dez minutos voltasse a surtar. Mas por algum tempo fora feliz. Já ela, fora feliz por um dia inteiro.





Meses depois, lá fora ela fotografar mais objetos. Com o tempo, acostumara e conformava-se. Não se indignava mais. Mas sempre torcia para alguma pessoa interrompê-la. Assim, era desafiador. Antes mesmo de adentrar o local onde faria as fotos, começou a ouvir a mesma ladainha. O rapaz, moreno e bonito, era novo. Ao menos, ela nunca o vira. E pelo discurso, teve certeza. "Moça, preciso do Serviço Social. Preciso falar com minha família..." E continuou. Logo, contou que era advogado, que tinha passado em três ou quatro concursos, que tinha esposa, filho, cachorro, gato, periquito e papagaio. E que tinha certeza que a família não tinha dinheiro para mantê-lo ali. E por esse motivo, precisava avisá-los. Mas logo começara a chorar e admitiu que não queria mesmo ficar. Ela já tinha as palavras de consolo certas e quando levantou, afinal, tinha fotos para tirar, o rapaz tinha o rosto vermelho, mas não mais chorava. Também não sorria. E deu aquela olhadela para o objeto pendurado no pescoço dela. "A senhora é fotógrafa?" Por pouco se livrava da pergunta dessa vez. "Sim, sou", respondeu, já imaginando o que viria. E não foi diferente do primeiro. Quando deixou o local o rapaz inconformado sorria e agradecia. E pedia: "venha sempre tirar fotos minhas". 

E ela ia. Nunca mais o viu. Mas tirou fotos de outros tantos. E todos, por alguns minutos, sorriam.

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